segunda-feira, 3 de novembro de 2008

A ironia do Homem de Ferro

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De uma maneira geral, filmes sobre super-heróis constituem estimulante alimento para a mente e a alma, começando por suas premissas básicas e pela filosofia por trás do próprio gênero cinematográfico. Some-se a isto, a realidade de que, mais recentemente, um número crescente de filmes sobre super-heróis tem focalizado tanto o ser humano atrás da máscara - e nos eventos críticos que o moldaram e têm guiado - quanto nos efeitos especiais e nas cenas de lutas. E neste caso em particular, Tony Stark, o homem sob a armadura do Homem de ferro, é um dos personagens mais interessantes da história das revistas em quadrinhos.

Superpoderosos na fragilidade

Filmes recentes baseados em personagens de revistas em quadrinhos têm nos mostrado que super-heróis podem vir de praticamente qualquer lugar, e que limitações físicas ou circunstanciais não necessariamente impedem o surgimento dos mesmos. De fato, algumas vezes eles podem provar exatamente o contrário. Com freqüência, em suas origens, os super-heróis são fracos fisicamente. A fim de combaterem o mal, eles precisam superar as limitações que os colocam em desvantagem perante os inimigos e têm que se tornar fortes, justamente onde são mais frágeis - o que nas revistas em quadrinhos, é sempre mais dramático, pois eles se tornam não apenas fortes, mas superpoderosos. Matt Murdock, o advogado cego, se torna o Demolidor, cujo radar superpoderoso - uma espécie de sexto sentido - ultrapassa em muito a visão de uma pessoa normal. E como vemos em Homem de ferro, o industrial Tony Stark - com um coração despedaçado e à beira da morte - se torna um indestrutível vingador. A idéia de que ninguém está destinado ao fracasso, de que é possível erguer-se acima das circunstâncias e fazer a diferença, é uma parte importante de nossa herança cultural - e algo que necessita ser reafirmado. No entanto, isto é apenas parte da verdade. E é bem aqui que as filosofias por trás das revistas em quadrinhos - e histórias de aventura em geral - tantas vezes falham em nos oferecer a verdade inteira.Isaías 55.8 nos recorda que os caminhos de Deus não são os nossos caminhos, e seus pensamentos não são os nossos pensamentos. A observação de Paulo sobre ser forte na fraqueza (2 Coríntios 12.10) refere-se não a uma habilidade física para erguer-se acima de nossas limitações, impondo portanto, nossa vontade. Ao invés disso, refere-se ao alegre reconhecimento de que nossa fraqueza em si é uma coisa boa. Pois nossas limitações impedem a tendência de dependermos exclusivamente de nossa própria força - um caminho que fatalmente nos conduz ao fracasso ou a perigosa vitória que vem acompanhada da ilusão do orgulho. Deus apenas é capaz de ver o fim de todos os caminhos e sem Ele nós não podemos alcançar nada que seja duradouro - mas com Ele, tudo é possível.

Defensor da Liberdade

O Homem de ferro foi criado originalmente no início dos anos 1960, em meio ao dinâmico idealismo de John F. Kennedy. Este foi um tempo em que os Estados Unidos haviam decidido defender não apenas sua própria liberdade, mas a liberdade em nível mundial, e a Doutrina Truman, que tinha como objetivo conter o avanço do comunismo, que operava a todo vapor. Na condição de único super-herói abertamente político - sua primeira armadura foi criada para libertá-lo de uma prisão no Vietnã - o Homem de ferro lutou ao redor do globo em prol do ideal americano. Para o novo filme, a Marvel atualizou um pouco o personagem e a história de sua origem, substituindo os soldados do Vietnã do Norte por terroristas do Oriente Médio. Mas a história básica continua a mesma, e Tony Stark continua sendo um industrial e fornecedor de suplementos militares para o exército americano. Ao lado da mentalidade política do “nós temos a força e o poder para libertar o mundo” - a qual com freqüência é foco de intenso debate político - e, sobretudo, em ano de eleição, quando o país encontra-se às voltas com um impopular conflito no Iraque - a temática de o Homem de Ferro tem potencial para provocar algumas conversas interessantes.

Irônica simetria

Para mim, no entanto, o mais interessante aspecto da história é o próprio personagem Tony Stark - o homem por trás da máscara de ferro. No início dos anos de 1980, os fãs do Homem de ferro tomaram conhecimento de que Tony Stark havia crescido emocionalmente distante de seus pais abastados e que o começo de sua vida adulta fora uma contínua tentativa de impressioná-los, de solicitar algum tipo de aprovação paterna de um homem frio e fechado. Tendo fracassado em seu esforço, Tony Stark decide - anos antes de sua decisiva experiência na prisão vietcongue - viver como o jovem rico e imaturo que era, construindo muros que o separavam das pessoas e enclausurando-se numa armadura emocional criada por ele mesmo. Contudo, mais tarde, à medida em que arrisca sua vida enfrentando vilões de proporções apocalípticas, uma terrível ansiedade passa a dominá-lo. E logo ele descobre que a ostra emocional que deveria protegê-lo, na realidade, o isolava; ao invés de manter a dor do lado de fora, ela mantinha a dor confinada do lado dentro. O Homem de ferro encontra-se assim preso em uma armadura que ele não poderia vestir e despir conforme desejasse ou fosse necessário, e desse modo ele começa, gradual e inevitavelmente, a desmoronar. Tony Stark se torna então um alcoólatra antes de finalmente atingir o fundo do poço. A irônica simetria do homem na armadura capaz de proteger os outros, mas incapaz de salvar-se a si mesmo, é central para o personagem. Ela demonstra como o superar de nossos limites, com base exclusivamente em nossas próprias forças, pode algumas vezes resultar em uma limitação ainda maior e mais nociva. E também fala com força sobre como o modo como nós seres humanos fomos desenhados para funcionar: em estreito contato com Deus e uns com os outros.

A arte imitando a vida

Há mais ironia aqui: Robert Downey Jr., o ator que vive o personagem que dá nome ao filme, teve já sua própria jornada à maneira Tony Stark, lutando contra seus demônios internos. À semelhança do homem atrás da máscara de ferro, o ator que o vive nas telas do cinema também já esteve na prisão cumprindo várias sentenças por diferentes acusações relacionadas ao consumo de drogas. Como o personagem que encarna no filme, Robert Downey Jr também construiu para si uma armadura emocional, mas à base de substâncias entorpecentes. Aos seis anos de idade, foi iniciado no uso da maconha por seu pai. Aos treze, testemunhou a desagregação de sua família no divórcio seus pais. Novamente à semelhança de Tony Stark, o ator também viveu como um jovem insensato.Talvez todas estas coisas sejam as razões pelas quais Robert Downey Jr., queria este papel mais do que qualquer outro em sua carreira: “você pode pegar um milhão de mitos de Joseph Campbell e procurar” ele contou a revista Esquire, “nenhum deles se aplicar melhor a mim (do que Homem de ferro/Tony Stark)”. A arte imitando a vida? Ou vice-versa? De um modo ou de outro, quando assistimos a história deste personagem se desenrolar diante de nós na tela do cinema, somos levados a perguntar como nossas próprias vidas e escolhas refletem as dele. Até que ponto confiamos em nossa própria força e sabedoria e não na força e sabedoria de Deus? Que “armaduras” e “máscaras” emocionais usamos? Onde e quando discernimos entre proteger nossa privacidade e sermos vulneráveis, especialmente diante de pessoas a quem Deus pode usar para trazer uma palavra importante para nossas vidas? Quais são as drogas - literais e metafóricas - que utilizamos para entorpecer a dor da vida? E como Deus pode nos ajudar com tudo isto?Quer gostemos do filme ou não, estas são perguntas que todos deveríamos estar fazendo, individual e mutuamente.

Frank Smith é escritor e vive com sua esposa e dois filhos em Charlottesville, na Virginia.